segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Não basta estar na constituição


Por Joana Borges

Em resposta aos vinte e cinco anos da atual Constituição Federal brasileira, a reflexão quanto ao mais importante acervo de leis, direitos e deveres do país se torna ainda mais fundamental. Levando em consideração que é com base nesse documento que todo o sistema nacional é organizado, nada mais digno seria do que pensar a constituição de forma a resgatar seus códigos e, assim, analisar o resultado obtido diante do poder que é atribuído a ela.

Sendo os objetos de análise os artigos 5º e 6º da Constituição de 1988, elogiáveis são as definições que os acompanham e, ainda, os itens que a partir do parágrafo inicial se subdividem afim de tornar clara a legislação. De fato, os direitos e deveres do cidadão brasileiro foram muito bem desenvolvidos no desenrolar de ambos os artigos e, sobretudo aos olhos de um leigo, eles parecem perfeitos. É colocado na “ponta do lápis” tudo a que um cidadão brasileiro tem direito: liberdade, igualdade, propriedade... Tão bem escritos o foram que quase dá para acreditar, se não fosse pela realidade que não nos deixa mentir.

Afinal, como ser livre em um país em que o medo de ser assaltado, violentado, morto é parte substancial do dia-a-dia do brasileiro? Liberdade não pode ser encarada como livre arbítrio simplesmente. E mesmo que fosse, quantas milhares de vezes o direito de escolha de alguém é violado todos os dias no Brasil? Os casos de violência por razões homofóbicas são um exemplo claro da intolerância às relações homoafetivas no Brasil e, portanto, à liberdade de alguém escolher como parceiro(a) uma pessoa do mesmo sexo. Desse modo, de nada vale estar escrito na constituição que temos o direito à liberdade se, na prática, esse direito não nos é garantido em todo o seu significado, dimensão.

A questão homoafetiva também pode ser analisada de forma a contradizer a noção de igualdade entre os cidadãos brasileiros. Considerando que só em maio deste ano foi permitida a união legal de pessoas do mesmo sexo de forma estendida a todos os estados da federação, como dizer que todos os brasileiros são iguais? Se de fato fossem iguais no quesito direitos e deveres, por que então uns têm direito de se casar e outros não? Em um país que se considera laico e que possui em sua constituição a igualdade como uma referência, o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo há muito deveria ter sido legalizado.

Ainda analisando o fator da igualdade no Brasil, mas já fazendo uso de elementos do artigo sexto da constituição, é importante pensar nas disparidades que cercam os gêneros, feminino e masculino, e que põem em risco a tese da igualdade entre os cidadãos brasileiros. Essas diferenciações são mais perceptíveis quando o objeto em estudo é o próprio salário de homens e mulheres que, mesmo realizando tarefas semelhantes, são sujeitos a receber salários diferentes. Dados como os da PNAD 2012 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) provam que as mulheres brasileiras recebem em média 27,1% menos do que os homens, contrariando o entendimento de igualdade de gêneros no Brasil e a proibição de diferença de salários por motivo ligado ao sexo exposto no artigo 6º, parágrafo XXX da constituição.

Nesse caso, especificamente, é notória a influência de valores culturais sobre a questão salarial entre gêneros. O papel social que a mulher brasileira representou durante toda sua existência, ou seja, de dona da casa, esposa e mãe, ainda não se desvinculou da mulher do século vinte e um que, mesmo inserida no mercado de trabalho e, muitas vezes, desempenhando função análoga a de homens dentro de uma mesma empresa, ainda é sujeita a um salário inferior.

Nesse sentido, é necessário que o governo crie políticas de fiscalização das empresas e, ainda, desenvolva métodos de punição àquelas que não puderem justificar a distinção de salários entre seus funcionários que não por motivo de gênero, cor, idade ou estado civil. Ademais, o governo é, juntamente com a sociedade, responsável por, mesmo que gradativamente, eliminar as mazelas históricas que afastam homens e mulheres, brancos e negros; e que são responsáveis por muitas das injustiças que cercam os brasileiros.

 A constituição brasileira é clara e, pelo menos superficialmente analisada, bastante completa. O foco do problema que envolve o direitos e deveres sociais não está na forma como os artigos 5º e 6º foram redigidos, mas no descumprimento das leis; de forma que estar na constituição simplesmente não é garantia, sobretudo de direitos, para a maioria dos cidadãos brasileiros. É preciso muito mais que legisladores; é preciso um poder judiciário eficiente e instituições que tenham condição de cumprir o seu dever, seja esse de salvar vidas ou mesmo de formar cidadãos menos preconceituosos e mais honestos.