terça-feira, 21 de maio de 2013

Turistando

   À noite, ao andar pelas ruas da capital paulista, divago e, com sorte, perco-me em meus próprios pensamentos. Tanto que, por muitas vezes, distraí-me e cheguei a esbarrar nos tantos outros que comigo dividiam o estreito espaço entre os bares e a rua ainda movimentada. Ouço gargalhadas, sinto o cheiro forte do cigarro, o mesmo que gruda nos meus cabelos à noite e obriga-me a lavá-los, secá-los, penteá-los. Depois do trabalho sentam-se nas mesas dos bares e conversam; conversam alto e bebem. Não importa se é segunda-feira ou sexta à noite. Os bares de São Paulo estão lotados.
   De repente, ouço algo que muito difere-se da minha língua pátria e olho curiosa em busca do autor daquela fala, daquelas estranhas palavras que tanto me alucinam e me envolvem. Mas, mesmo antes de qualquer descoberta, escuto outra frase estranha, perdida em meio a muitas outras. Encantador é esse sentimento que me invade o peito e com saudosismo traz as melhores lembranças. As viagens com os mais recentes melhores amigos que já tive, a *Freiheit que jamais nos abandonou. Como gostávamos dessa palavra, para mim a mais bonita, ao mesmo tempo que a mais enigmática dentro do dicionário alemão que para todos os lugares carregávamos.
  E se não fosse pelas sacolas de compras que eu carregava com esforço enquanto seguia para o apartamento o qual, com relutância, chamava de "casa", pelo corpo ainda suado da academia, e  pela mente ocupada por afazeres acadêmicas e domésticos, eu até poderia me sentir turista de novo.
  Inesquecível o dia em que, sentados em um bar irlandês em meio a Red Light District, "jogávamos conversa fora"e distraíamos com as luzes e desfrutávamos da tentadora cidade holandesa. Até chegado um momento em que, de súbito, tive certeza de que faria turismo na faculdade. Era chegado o fim de tanta angustia por não saber o que prestar no vestibular. Tamanha euforia consumia-me que cheguei ao ponto de chorar. Não sei se por alívio ou por causa da cerveja irlandesa que bebi. Provável que pelos dois motivos.
  Entretanto, ao amanhecer o dia, já tinha desistido da minha ideia. Convinha-me, era verdade, viajar, conhecer lugares nunca antes visitados. Mas a minha real vocação era ser turista, não guia. Gostava de ver pelos meus próprios olhos e queria que tantos outros assim o fizessem. Nada pode ser mais bonito que o próprio olhar, que atribui beleza às paisagens, às obras-de-arte, aos personagens da vida; e que com outros não poderia ser jamais comparado. Sendo assim, revivo as antigas lembranças, revejo fotografias, releio antigos diários e anseio pela próxima viagem turística.  


* em alemão, liberdade.



Joana Borges (Perdidos)

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